quinta-feira, março 22, 2007

Diálogos pueris XVIII

Ele: Gostava de ter estado mais tempo contigo. Sozinho contigo, digo.
Ela: Pois...
Ele: Aliás, tenho pensado numa carta para ti, mas não sei se alguma vez a vou escrever.
Ela: Então?
Ele: São apenas ideias sobre o que vou pensando de ti.
Ela: Que tens pensado?
Ele: No que conheço de ti... Gostei de estar contigo, apesar de tudo.
Ela: Mas não falaste muito...
Ele: Não. Mas achei graça... vives num mundo tão distante...
Ela: Do teu?
Ele: Sim. As histórias, os assuntos, os personagens, que não são os meus...
Ela: Nada será assim tão diferente...
Ele: A sério que é... Estava a provar o teu mundo e a achar um piadão. Aliás, foi essa perspectiva que me deixou a pensar. A ideia que construí de ti é mesmo contrastante...
Ela: Contrastante?!
Ele: Sim. É difícil explicar e até pode ser que seja fruto da minha imaginação "améliana", mas fiquei com a sensação de que és um personagem demasiado sensível...
Ela: No meio dos outros?
Ele: Sim. Do tipo: como se sente uma rosa entre os espinhos que a embrulham?
Ela: Essa foi a ideia que ganhaste ou a que perdeste?
Ele: Não, não... foi com essa ideia com que saí de lá... Não faz sentido nenhum, pois não?
Ela: Não sei bem...
Ele: Reparei em pequenas coisas que podem não fazer sentido, mas...
Ela: Por exemplo?
Ele: Lembrei-me daquela vez em que tomámos café no meio de um trabalho teu. Já foi há algum tempo e também não é importante. Mas nesse dia reparei que enquanto falavas o teu maxilar ganhava tensão. E acho que foi a primeira vez que reparei nisso.
Ela: Sim, lembro-me dessa tarde...
Ele: Na semana passada pareceu-me que essa tensão estava lá outra vez.
Ela: É possível.
Ele: Curiosamente, senti o maxilar livre quando falavas do que tinhas sentido...
Ela: É verdade, essa tensão existe volta e meia. E deve realmente notar-se, porque não és a primeira pessoa a dizer isso...
Ele: A minha imaginação disse-me automaticamente que és mais livre quando falas dos sentimentos... Mas os espinhos logo mostraram que existem e tu recolheste-te... Foi aí que surgiu a tensão. Mas achei-te muito bonita.
Ela: Para ti, as outras pessoas são espinhos?
Ele: Não sou eu que as vejo assim. Para ti, algumas pessoas é que parecem funcionar como espinhos. Não digo que o sejam sempre. Aliás, talvez não sejam elas os espinhos. Apenas, talvez, sejas tu a flor: delicada, perfumada, atraente. E bonita, como estava a dizer.
Ela: Isso é muita imaginação. Mas sim, às vezes sinto-me dessintonizada. Como se me tivesse enganado no apeadeiro. Tinha idealizado um feito de coisas mais simples. Achava eu, pelo menos. Ele: Percebo bem o que estás a dizer. Mas nem sempre o hábito faz o monge. E não te sinto escrava do que não queres. Precisamente, por seres mais do que isso.
Ela: Queres que me sente no divã?
Ele: Quero saber o que te apetece...