sexta-feira, março 23, 2007

Diálogos pueris XX

Ele: Porque é que achas que deixei de estar com ela?
Ela: Nunca soube...
Ele: É simples: traiu-me.
Ela: ...
Ele: Não faças essa cara! Eu sei que não estás propriamente espantada.
Ela: Não faças perguntas às quais não posso responder.
Ele: Sempre soube das histórias todas... dentro de mim! Achas que andava a dormir?
Ela: Não sei.
Ele: Tantos anos depois e estas coisas só me dão vontade de rir...
Ela: Estás a mentir.
Ele: Não estou a mentir. Dão-me vontade de rir, embora sejam tristes, obviamente. Nunca mais fui o mesmo. Nunca mais fui o mesmo com ninguém.
Ela: Tu gostavas mesmo dela, não era?
Ele: Não! Não gostava mesmo dela. Aquilo não era gostar; era ser burro e ter paciência de jó!
Ela: Se não tivesses gostado mesmo dela não tinhas mudado assim tanto, não é?
Ele: Claro que gostava dela! Quando gosto, gosto a sério. Claro que não tinha mudado tanto!
Ela: Isso parece que ainda te dói...
Ele: Dói-me que ela tenha sido burra. Que nunca tenha percebido que a entrega incondicional e a dedicação fiel são das coisas mais bonitas que podem existir.
Ela: Quem está a pagar a factura dessa mudança?
Ele: Eu. Quem havia de ser?

Diálogos pueris XIX

Ela: Como está a tua vida?
Ele: Com a minha namorada?
Ela: Sim.
Ele: Há dias melhores do que outros. Há fases mais agradáveis. E outras em que ambos sentimos que o fim pode ser uma hipótese. Falamos muito, isso ajuda.
Ela: Mas essa hipótese é real?
Ele: Não sei. Ela ainda tem um caminho longo a percorrer dentro dela.
Ela: Já não a imagino sem ti.
Ele: O último Verão foi muito difícil. Estivemos por um fio. Depois as coisas melhoraram.
Ela: Ela deu um salto contigo.
Ele: Pois, mas eu não sou responsável por isso. Ela é.
Ela: Também és.
Ele: Sim, talvez em parte. Mas o que é nuclear para ela ainda tem que ser esculpido. Temos muitas diferenças que nos separam. Mas sim, ela tem um je ne sais quoi que a torna especial.
Ela: Ela é absolutamente especial.
Ele: Não somos todos?!... As relações são sempre uma fonte de dúvidas e incertezas. Às vezes acho que os estilos de vida modernos não favorecem relações mais longas do que o "one night stand".
Ela: Tenho dúvidas sobre isso.
Ele: Também não tenho certezas. E nós insistimos em tentar mostrar que é possível. Mas perguntaste isso por algum presentimento particular?
Ela: Senti-vos de forma diferente.
Ele: Diferente como?
Ela: Não sei bem... como se tivesse deixado de haver um para passar a haver ser dois...
Ele: Tenho incentivado um pouco isso.
Ela: Sim, também senti que isso vinha sobretudo de ti.
Ele: Não é um incentivo no sentido de nos distanciarmos, sabes? É mais no sentido de eu ter a certeza que ela tem vida, pensamentos e amizades para além de mim e da nossa relação.
Ela: Está a funcionar?
Ele: Como uma espécie de ventilação, acho que sim.
Ela: Conversaram sobre isso?
Ele: Claro. E acho que ela acabou por entender facilmente. Isto aconteceu apenas para ela não se fechar numa única forma de ver e para se sentir livre de explorar o mundo e a própria vida dela.
Ela: Isso não é um bocadinho pedagógico-paternalista demais?
Ele: Não. Acho que assim me amará melhor.