segunda-feira, julho 05, 2010

Diálogos Pueris XXXI

Ela: De que é que gostas mais em mim?
Ele: A tua maior qualidade?
Ela: Sim...
Ele: A tua maior qualidade é o maior defeito da maioria!
Ela: Isso não soa nada bem! É o quê?
Ele: O teu radicalismo.
Ela: O meu quê?!
Ele: Ouviste bem, o teu radicalismo. És muito radical. És sempre radical. E isso é insuportável!
Ela: Porra! Ainda bem que é uma qualidade! Quem diria?!
Ele: Em ti é.
Ela: Porquê?
Ele: Porque quando dizes não é não; quando dizes nunca é nunca, quando dizes acabou, acabou mesmo. E isso faz parecer que nunca perdoas nada a ninguém.
Ela: Não é verdade que não perdoe, como tu muito bem sabes...
Ele: Pois não. Porque não, nunca e acabou são coisas que quase nunca dizes. Mas quando dizes, não voltas atrás.
Ela: Pois não. E nunca me arrependi. Só não percebo a parte da qualidade...
Ele: Tens legitimidade para ser assim. Porque o que esperas dos outros é aquilo que tu fazes. Mas depois queres que toda a gente seja como tu!
Ela: Não quero nada que toda a gente seja como eu! Só não gosto é de pessoas que dizem uma coisa e fazem outra!
Ele: Por isso é que é uma qualidade e ao mesmo tempo é insuportável. Porque nos sentimos seguros contigo. Mas depois estamos sempre com medo de falhar contigo.
Ela: Tu falhaste e eu estou aqui.
Ele: Pois, mas por isso é que te disse que nesse dia acabou a única parte pura da minha vida.
Ela: Que exagero!
Ele: A sério! Eras a única pessoa a quem nunca tinha feito mal.
Ela: Já passou. Estás a ver como não sou radical?!
Ele: Não passou, não. Mas pronto. E o teu maior defeito, queres saber?
Ela: Medo! Quero!
Ele: Com toda a crueldade que isto possa ter, é a tua tristeza.
Ela: A minha tristeza?! Qual tristeza?
Ele: A tristeza que tu escolhes. Tudo o que tu escolhes é triste.
Ela: Não é verdade!!!
Ele: É verdade, é. Tudo o que tu gostas, livros, filmes, músicas, é tudo triste.
Ela: Ui, passaste-te! Não é verdade!
Ele: É verdade verdadinha. Por isso é que escolhes quase sempre estar sozinha. Nunca tens paciência para a maioria das pessoas, para as conversas delas se não forem sobre aquilo que tu gostas. Se não as conheceres então é para esquecer. Não dás oportunidade a ninguém, é preciso andar sempre atrás de ti...
Ela: Ensandeceste!
Ele: Apostava o meu pescoço em como não tens um único amigo ou amiga que tenhas sido tu a escolher. São as pessoas que te escolhem a ti e depois tu decides se as queres ou não.
Ela: Não é verdade. Mas achas que foi isso que eu fiz contigo?
Ele: Não brinques comigo! Não acho, tenho a certeza.
Ela: Isso soa a queixa...
Ele: Mas não é. Eu só gostava de te ver rir mais vezes, rir sem motivo, dizer asneiras, palermices, qualquer coisa!
Ela: Mas eu rio-me. E rio-me muitas vezes contigo!
Ele: Porque somos amigos. Tu só ris quando tens as costas quentes!
Ela: E depois?!
Ele: E depois nada. Só que às vezes parece que só és feliz contigo. Ou melhor, que és mais feliz contigo, sozinha, metida nas tuas merdas, do que connosco!
Ela: Sim, há muitas coisas que eu gosto de fazer sozinha. Mas isso não exclui ninguém. Já estás bêbedo, não já?
Ele: Já. Há muito tempo. Mas isto não é conversa de bêbedo!
Ela: Eu sei. Vamos embora? Ou há mais alguma coisa de que me queiras acusar?
Ele: Mais uma...
Ela: Então?
Ele: Acusar-te de me teres transformado num maricas lamechas!...
Ela: Risos
Ele: ... um maricas lamechas que gosta muito de ti.
Ela: Também eu gosto muito de ti.
Ele: E vais continuar a gostar depois de hoje?
Ela: Sempre!
Ele: Pois é, tu dizes mais vezes sempre do que nunca...
Ela: Com o mesmo radicalismo?
Ele: Com o mesmo.

domingo, janeiro 10, 2010

Diálogos pueris XXX

Ele: Ficas assim só porque de repente reaparece uma pessoa que fez parte da tua vida no passado?
Ela: Assim como? Feliz?
Ele: Feliz não, histérica!
Ela: Não estou histérica, estou feliz.
Ele: Seja, feliz. Nunca enterras as tuas histórias, pois não?
Ela: Nunca.
Ele: Mas parece que nunca deixas de gostar...
Ela: Claro, e nunca deixo.
Ele: Não entendo.
Ela: O que é que não entendes?
Ele: Não entendo quando percebo que, eventualmente, me compararás facilmente com outros a qualquer momento, bastando para isso que o rapazito de Nova Iorque passe do outro lado da rua.
Ela: Mas isso é ridículo, eu não fiz comparação nenhuma. Gostar muito de alguém não significa passar a gostar menos dos outros.
Ele: Se uma mulher me fizesse isso, se eu sentisse que uma mulher, a minha mulher, sentisse vontade, uma imensurável vontade, uma amantizada vontade de atravessar a rua para ir ter com outro, podes ter a certeza que desapareceria de ambos os passeios.
Ela: [gargalhada] Estás a distorcer. Quem é que falou numa amantizada vontade?! Eu gosto de todas as pessoas que tive. Vou gostar sempre. Devia odiá-las?! Porquê, se não me fizeram mal nenhum?!
Ele: Romântica essa tua ideia, sem dúvida! É um bocadinho como o comunismo, coisa bonita, somos todos iguais e trá lá lá, cantando e rindo, mas depois vai-se a ver, e uns trabalham mais que os outros e talvez por isso uns devessem ganhar mais do que os outros, não?
Ela: Tu queres que eu desvirtue as pessoas, que as substime, que apague uma parte da minha vida só para provar que agora é que é a sério e importante. E isso eu não faço. Nunca fiz; nunca farei.
Ele: A tua ideia é comunista, o teu amor é vermelho, é marxista-leninista, é de foice, todos os teus amores - dizes - devem ser por igual. Não dás mais atenção, mais salário a nenhum deles. É tudo por igual! Mas há uns que trabalham mais, que fazem mais por ti, que te dão mais. E tu não queres saber, estás a dizer que são todos iguais!
Ela: Não estou a dizer que são todos iguais! Estou a dizer que são todos importantes!
Ele: E eu estou a dizer que isso, sendo romântico, é impossível!!!
Ela: O quê? Guardar as pessoas? Gostar de estar com elas?

Ele: Sim, dessa forma, não! Devias arrumá-las bem num canto do sótão, ok, não as tirando de lá se não quiseres, mas percebendo que aquilo é um quadro bonito que te faz se calhar sorrir quando olhas para lá, mas que está agora inerte, fixo, imutável.
Ela: Belo, vamos apagando o caminho, não é? Matando pessoas? Olhas para trás e vês um cemitério de afectos. É isso?
Ele: És palerma, mimalha, bipolar!