sexta-feira, outubro 10, 2008

Diálogos Pueris XXVI

Ela: Posso entrar?
Ele: Pergunta malvada essa, que me coloca na posição de carrasco...
Ela: Não é malvada.
Ele: Da última vez que falámos disseste que fui agressivo contigo. Percebi porquê. Mas não sei se ainda podes entrar. Tem acontecido tanta coisa...
Ela: Coisas boas?
Ele: Não, não foram nada boas. Foi uma época muito complicada, mas acho que até a Lei de Murphy tem um fim de jurisdição. Agora quero valorizar e discriminar os amigos. Os amigos daquela verdade sempre presente e que preenchem tudo.
Ela: Aceito isso (bem, mais ou menos...), ser penalizada pela ausência...
Ele: Espero que não aceites. Porque não tem nada a ver contigo; talvez só comigo. Daí que, provavelmente, tenha sido agressivo e injusto contigo.
Ela: Consegues distinguir a ausência física da ausência de gostar? E perdoar a diferença entre uma coisa e a outra?
Ele: Não há nada para perdoar. Pensei muito na nossa relação, fui até ao passado para ver de onde vinha. A verdade é que ela é muito diferente da relação que tens com a minha namorada.
Ela: Claro, eu sei.
Ele: Ela ensinou-me que tu eras uma fada, um elemento mágico...
Ela: E tu percebeste que não sou...
Ele: Não, não é isso. Acho que o desagravo começou pelo lado dela, por todas as expectativas que sempre criou contigo. És como um pai natal, de quem sempre se fala, e por quem eternamente se espera...
Ela: Uma fada que não faz magia; um pai natal que nunca chega...
Ele: Se às vezes nos sentimos tristes foi por estarmos apaixonados por ti. E sim, por seres um elemento mágico, uma fada. Encantadora e sedutora.
Ela: E em que momento descobriram que não eram correspondidos?
Ele: Não se trata disso. Trata-se de jardinagem. Toda a gente gosta de flores, mas poucos cuidam efectivamente delas.
Ela: Sim, eu sei...
Ele: Depois, não pode haver surpresas por murcharem.
Ela: Gostava que me deixasses contar a minha versão...
Ele: Mas é óbvio que quero ouvir a tua versão. Ouvir-te só. Isso significa estares presente.
Ela: Acreditas que é possível deixar murchar uma flor que se ama? Só porque, às vezes, a vida nos atropela? Deixá-la murchar só por absoluta incompetência?
Ele: Sei, mas nada pode ser mais paradoxalmente absurdo, não achas? Porque se não nutrirmos o amor vamos cultivar o quê? O mundo não está a ficar um sítio mais agradável. Só as pessoas podem fazer e criar uma realidade mais suportável. Porquê abdicar?
Ela: Mas achas que deves matar o jardineiro só porque ele falhou? Não é humano falhar?
Ele: Não sou radical. Nunca mataria. É humano falhar, mas mais humano é recuperar das falhas. E concretizando, deixa-te de merdas, não falhaste. A única coisa que magoou e confundiu foi a dissonância entre esse sentimento que trazes em ti e a realidade.
Ela: Porra, deixa-me entrar! Mas não estejas à porta com uma espada! Dessa forma, não vou conseguir entrar.
Ele: Pois, mas ainda não percebeste que ninguém está à porta? Que nada está armadilhado? Que não sou capaz de te convidar para entrar e depois pregar-te uma rasteira? E que sou tão sincero hoje como quando te convidava para fazermos um intervalo e irmos descansar num prado? Não sei se estamos a entender-nos...
Ela: Acho que sim, que estamos. A única diferença é que ainda não contei a minha versão. E sinto que, diga o que disser, vais sempre achar absurdo, contraditório, inaceitável... talvez seja, não sei. Eu sei que os amigos não se deixam propriamente numa lista de espera.
Ele: Mostra-me o teu lado...

[Ela mostra-lhe o lado dela]

Ele: Pois, mas quase sempre me dá a sensação que não percebes bem a nossa posição, a nossa expectativa e postura. Fiquei sempre surpreendido e quase ofendido com algumas coisas que dizias...
Ela: Por exemplo?
Ele: Percebo que as digas mas, na nossa realidade, não fazem sentido nenhum. Uma das coisas que mais nos deixava tristes era suspeitar que podias não estar bem. Não sei qual é a tua perspectiva sobre o que deve um amigo fazer quando vê o outro mal, mas sempre me deu a sensação de que nos entendias mal, como se fossemos um elemento de pressão sobre ti...
Ela: É verdade. Às vezes senti isso, essa pressão.
Ele: Sempre quisemos estar perto para te apoiar incondicionalmente. É quase ofensivo quando dizes que posso estar à porta com uma espada.
Ela: Sei que vocês quiseram sempre só que eu ficasse bem. Mas sou assim, desapareço quando estou mal.
Ele: Às vezes, penso que a distância já é muita, e que todos confabulámos personagens que foram aos poucos, e conforme as circunstâncias da vida, e os imprevistos da interpretação, dando origem a caricaturas das pessoas reais.
Ela: Achas que nos transformámos em caricaturas? Que temos imagens uns dos outros que não correspondem àquilo que realmente somos?
Ele: Talvez. Por isso sempre rejeitei que te considerasses culpada. Quase como se nós te considerássemos culpada...
Ela: Mas é isso que parece. E isso também que me trava.
Ele: Acho que não sou quem me transmites que pensas que sou. Jamais fiz alguém sentir o que me dizes que te faço sentir, o que não invalida! E, vasculhando a minha memória, tenho dificuldade em saber o que possa ter feito para que pensasses dessa forma. E isso incomoda-me, como sei que te incomodam algumas coisas que te disse. Daí achar estas percepções tão distintas, intrigantes...
Ela: Mas não há nada de intrigante. O que me fazes sentir, existe. A maneira como te via é a maneira como te vejo.
Ele: Continua a ser intrigante.
Ela: Mas o que há de intrigante?
Ele: Não sei.
Ela: Deixaste de acreditar em mim?
Ele: Não é isso, e não te sei dizer o que é. Quase me apetece voltar ao início e perguntar-te novamente: have we lost the human touch?
Ela: Continuo a devolver a pergunta. Ou deveremos perguntar à Nina Simone?
Ele: Acho que te percebo, apesar de tudo.
Ela:Finalmente, fazes-me sorrir.
Ele: Dou-me melhor com sorrisos.
Ela: Gosto muito de ti. Não é o mais importante?
Ele: É importante, sim. E quero que decores ou coloques num post-it que não sou um monstrinho a reclamar a tua atenção. Vivo a amizade de outra forma: quando tenho uma amiga quero dar-lhe tudo o que sou. Estou lá. Nunca me tinha acontecido ouvir de uma amiga o que ouvi de ti. Houve vezes em que achei que eras uma exagerada, que não podias gostar assim tanto de mim...
Ela: Mas gosto. E gosto de forma exagerada - é a única que existe para gostar dos amigos.
Ele: É obvio que é importante o amor, o carinho, o gostarmos uns dos outros. Mas também não será igualmente importante que as relações existam? Que funcionem?
Ela: Claro. E eu quero que a nossa relação volte a existir fora do coração. Estou só a dizer-te que a distância não mudou o que sinto. E mais: não há nada mais bonito do que alguém a reclamar a nossa presença. O teu protesto comove-me até às lágrimas.
Ele: Era bom que agora estivéssemos a ouvir a mesma música. Conheces bem: "Fistfull of love", do Antony.
Ela: "We live together in a photograph of time/I look into your eyes/And the seas open up to me/I tell you I love you/And I always will." Estou sempre a ouvir o Antony.
Ele: É inevitável continuar a gostar de ti. Apaixonado e irritado por todo o tempo que não estamos juntos.
Ela: Tens noção de há quanto tempo espero ouvir isso de ti?
Ele: Repara que nenhum idoso gosta de recordar os tempos em que namorar era apenas uma longa conversa, uma cantiga do bandido, à janela. Só quero um abraço, um beijo, um roçar de olhares e um sorriso teu.
Ela: Tens isso tudo de mim. E tens mais.
Ele: Não quero pressionar-te.
Ela: Não estás a pressionar-me.
Ele: A única pressão que faria era no teu peito durante um abraço. E assusta-me que tenhas percebido como forma de pressão a minha postura.
Ela: Vou provar-te que ainda fazemos sentido.
Ele: Mas não tens nada para provar. Nada. Nada. Nada se prova. Eu também não tenho como te provar que não sou quem tu pensas que sou.
Ela: Mas tu és. Eu sei.
Ele: Só quero estar contigo. É só isso. Senão tudo isto será uma história de amor separada, distante, cartas de namorados que se enviam e que, algures no mundo, sabemos que é correspondida. Mas também o Jude Law fartou-se de andar no Cold Mountain só para mostrar que vale a pena estar próximo.
Ela: Obrigada. Mesmo. Por teres esperado e por tudo.
Ele: Não quero que venhas agora a correr para cá. E não penses que vou agora a correr para aí. Mas gostava que nos encontrassemos com suavidade para disfrutarmos disto. Gosto de ti, porra.
Ela: "Gosto de ti, porra!" sabe melhor do que um gelado de chocolate!
Ele: Eu já podia ter morrido e tu podias não me ter visto a ficar careca...
Ela: Não estás a ficar careca e não havemos de morrer tão cedo.
Ele: Gostar é a melhor coisa que conheço, que alguma vez vou conhecer. Gosto de gostar. Gosto muito de gostar de ti. E isso já me irritou no passado, mas conformo-me no teu charme.
Ela: Também eu. Não somos assim tão diferentes.
Ele: Caramba, queria tanto poder fazer contigo coisas como as que fiz esta noite. Espero que uma conjugação cósmica proporcione um encontro.
Ela: Se pudesses ver como estou a rir...
Ele: Ficas muito mais bonita assim, lembro-me disso...
Ela: Estás no meu coração. Vais estar sempre. E o coração, quando está cheio, faz-nos rir.
Ele: E tu vens comigo agora. A porta está aberta para entrares.
Ela: Já entrei.
Ele: É óptimo ter-te ressintonizada.

sexta-feira, agosto 01, 2008

Diálogos pueris XXV

Ela: Estás feliz?
Ele: Estou bem.
Ela: Ainda em lua-de-mel?
Ele: Nunca usei essa expressão!! Existem desavenças, claro! Mas não tenho tempo para pensar nisso. Olho para os meus dois filhos pequeninos e não consigo parar de sorrir.
Ela: Transformaste-te mesmo num pai de família!
Ele: Sou muito conservador. Sempre fui, aliás. Muito protector do meu ninho. Tu sabes que sempre quis isto: uma família, muitos filhos...
Ela: Estás 'grávido' outra vez?
Ele: Agora não. Estamos a fazer um intervalo para tentarmos ter uma menina. Morreria na mais profunda das tristezas se não conseguisse ter uma filha.
Ela: Casas entretanto?
Ele: Não estou a pensar nisso. Um dia mais tarde, talvez... para reunir amigos.... for fun!
Ela: Posso fazer-te uma pergunta?
Ele: Claro!
Ela: Achas que ambos vivemos com "o" amor da nossa vida? Tu vives?
Ele: Ainda não.
Ela: Desculpa.
Ele: Não faz mal. És linda. E sim, o grande amor da minha vida.
Ela: É por causa disso o silêncio?
Ele: Também. Para não lembrar. Para não doer.

Diálogos Pueris XXIV

Ela: Também sentes que uma parte de ti morreu?
Ele: Tenho pensado nisso, sabes? Naquilo que sinto. E não, não sinto isso. Nem de longe nem de perto.
Ela: Deve ser isto então o tal fim triste de que me falaste: eu sinto que uma parte de mim morreu.
Ele: Sinto é que o caminho é cada vez mais agudo - não sinto que esteja morto contigo. E sim, concordo que desta vez levei as coisas longe demais...
Ela: Demasiado longe. Tão longe que não sei se haverá caminho de regresso...
Ele: Foi só uma tentativa de mudar as coisas. Mais uma, mais uma vez falhada. Mas uma tentativa.
Ela: A verdade é que nunca saímos abismo, pois não?
Ele: Acho que não. Se olhares para trás, perceberás que estivemos sempre lá. Mas se calhar, é aí que temos de estar. Talvez o amor total só exista a par dessa espécie de morte viva que reaparece sempre quando o amor duvida. Talvez seja essa a função do amor: ter um combate permanente contra a morte.
Ela: Fizemos tentativas os dois; falhámos os dois. Não quero continuar a viver no abismo nem acho que o amor seja isso, essa luta diária, permanente contra a morte. E que precise de ser questionado para sobreviver. Desculpa.

segunda-feira, junho 30, 2008

Diálogos pueris XXIII

Ele: Estou farto! Farto de nunca estar satisfeito com nada!
Ela: É verdade, nunca estás.
Ele: E depois magoo as pessoas à minha volta.
Ela: É verdade. Assim, vais acabar sozinho.
Ele: Não vou nada!
Ela: Daqui a uns anos falamos.
Ele: Se ficar é porque mereci.
Ela: E se não ficares era o que merecias.
Ele: Não julgues que me vou defender. Estou a tentar mudar, a tentar fazer as coisas certas. E se te consola um bocadinho, estou a sofrer.
Ela: Não sou eu tenho que tenho de ser consolada.
Ele: Ainda vou a tempo de fazer as coisas bem. Foi o que tentei fazer desta última vez.
Ela: O que é que fizeste de diferente?
Ele: Libertei-a.
Ela: Tu não a libertaste! Tu deixaste-a. Fizeste o que fazes sempre.
Ele: Mentira! Libertei-a porque gosto mesmo dela! Não achas isso importante?
Ela: Achava importante olhar para ti e perceber que aprendeste a amar alguém.
Ele: Se Deus quiser, ela há-de ter uma vida extraordinária.
Ela: Porra! Pára de falar como se fosses pai dela! Se Deus quiser o quê? Ela não é tua filha!
Ele: Sim, mas não sejas tão apressada a fazer tantas críticas!
Ela: Se tens uma mulher de 40 queres uma de 20, se tens uma de 20 queres uma de 50, se tens uma médica queres uma de fora da profissão, se trabalha fora queres uma da área, se é portuguesa queres uma russa, se é russa queres uma de Marte!
Ele: Não sabes a nossa história toda. E nem eu te vou contar!
Ela: SEMPRE FOSTE ASSIM!
Ele: Ok. Mereço isso.
Ela: E não interessa a última história. Eu não te conheci ontem. Nem é a primeira vez que te ouço dizer que estás a morrer de amor... e depois, que acabaste, mas que esperas que ela seja muito feliz porque é uma mulher extraordinária!
Ele: Pois é. Às vezes, preciso ouvir essas coisas. Mas estas coisas do coração são complicadas. Não penses que não me conheço!
Ela: Eu sei. O que só piora. Quer dizer que não tens vontade de ser melhor.
Ele: Obrigada.
Ela: Desculpa.
Ele: Compreendo a tua ira.
Ela: Desculpa. Não tenho nada a ver com isso.
Ele: Tens. E sabes que tens.
Ela: Não tenho. E sei que não tenho. Mas gostava tanto de te ver feliz...
Ele: Eu sei. Por isso é que tens o direito de me dizer coisas duras.
Ela: Se pudesses fazer as coisas certas, seria perfeito.
Ele: Eu sei. E gostava de fazer as coisas certas ao menos uma vez na vida. Tentei agora e acho que falhei escandalosamente.
Ela: Não digas "gostava tanto de..." como se isso não dependesse de ti.
Ele: Eu sei.
Ela: E pára de dizer "eu sei". Sabes quantas histórias dessas tuas eu já ouvi?
Ele: Não sei.
Ela: Parece que tens 15 anos, que não podes ver nada, que ainda estás na fase de provar lá no recreio da escola que consegues ter as meninas todas! É ridículo! Vais começar a parecer ridículo!Ele: Eu sei. Porque é que achas que estou a tentar parar?
Ela: Por causa do ego.
Ele: Por causa do ego?!
Ela: Sim. Mentiste-lhe sempre sobre a tua idade, por exemplo. Sabes que a tua namorada ou ex-namorada ou lá o que é, vai ser feliz. Hoje ou amanhã ou depois, não importa quando. E sabes que todas as pessoas com quem andaste acabam por encontrar a sua felicidade, cedo ou tarde. Só tu continuas a saltar, como se tivesses 15 anos. E depois, consolas-te - é outra das tuas fases cíclicas - nas tuas amigas divorciadas.
Ele: Mau, agora já estás a abusar! Nunca andei com nenhuma das minhas amigas divorciadas! Fiz infeliz uma mulher solteira, que ainda amo. Mais nada!
Ela: Desde que eu te conheço que tu me dizes que o amor não existe, que a fidelidade não existe!!!! Quem não acredita nisso nunca vai fazer ninguém feliz!
Ele: O amor existe, é bom e dá esperança. Mas não acredito na fidelidade, que queres que faça?
Ela: Nada. E tu queres o quê? Que te alivie a consciência?
Ele: Não. Aliás, é óbvio que estás a gostar de me condenar.
Ela: Queres que eu diga que és bonzinho, que não tens culpa, que magoas toda a gente que se cruza contigo, mas que é sempre sem querer?
Ele: Eu mereço isso. Mereço ser castigado. Mas estou a ser sincero quando te digo que não está a ser fácil.
Ela: Acredito em ti. Mas isso serve a quem?
Ele: Nã sei. Acho que tenho medo da intimidade. Do para sempre. Magoeei muita gente, é verdade. Mas também já fui magoado. Eu sei que a probabilidade de ficar sozinho é enorme.
Ela: Desculpa ter dito isso. Não vais nada ficar sozinho.
Ele: Não, não, tens razão. Mas não perdi a esperança. Não quero ser publicamente ridículo. E estou a sê-lo contigo.
Ela: O ridículo não está naquilo que me dizes a mim; está naquilo que às vezes fazes. Para mim nunca és ridículo.
Ele: Provavelmente, pode ser.
Ela: Mas estás a mentir. Não tens medo da intimidade, nem do para sempre. Tens só medo de uma coisa que nunca vais conseguir cumprir: que é teres todas as mulheres do planeta!
Ele: Estás a exagerar outra vez!
Ela: Não estou. Tu precisas de ser sempre o sedutor, o predador!
Ele: Ok, tens razão em quase tudo.
Ela: Porque é que ter razão não me deixa propriamente feliz?
Ele: Porque me adoras (risos)!
Ela: Porque gosto muito de ti, sim (risos)!