segunda-feira, julho 05, 2010

Diálogos Pueris XXXI

Ela: De que é que gostas mais em mim?
Ele: A tua maior qualidade?
Ela: Sim...
Ele: A tua maior qualidade é o maior defeito da maioria!
Ela: Isso não soa nada bem! É o quê?
Ele: O teu radicalismo.
Ela: O meu quê?!
Ele: Ouviste bem, o teu radicalismo. És muito radical. És sempre radical. E isso é insuportável!
Ela: Porra! Ainda bem que é uma qualidade! Quem diria?!
Ele: Em ti é.
Ela: Porquê?
Ele: Porque quando dizes não é não; quando dizes nunca é nunca, quando dizes acabou, acabou mesmo. E isso faz parecer que nunca perdoas nada a ninguém.
Ela: Não é verdade que não perdoe, como tu muito bem sabes...
Ele: Pois não. Porque não, nunca e acabou são coisas que quase nunca dizes. Mas quando dizes, não voltas atrás.
Ela: Pois não. E nunca me arrependi. Só não percebo a parte da qualidade...
Ele: Tens legitimidade para ser assim. Porque o que esperas dos outros é aquilo que tu fazes. Mas depois queres que toda a gente seja como tu!
Ela: Não quero nada que toda a gente seja como eu! Só não gosto é de pessoas que dizem uma coisa e fazem outra!
Ele: Por isso é que é uma qualidade e ao mesmo tempo é insuportável. Porque nos sentimos seguros contigo. Mas depois estamos sempre com medo de falhar contigo.
Ela: Tu falhaste e eu estou aqui.
Ele: Pois, mas por isso é que te disse que nesse dia acabou a única parte pura da minha vida.
Ela: Que exagero!
Ele: A sério! Eras a única pessoa a quem nunca tinha feito mal.
Ela: Já passou. Estás a ver como não sou radical?!
Ele: Não passou, não. Mas pronto. E o teu maior defeito, queres saber?
Ela: Medo! Quero!
Ele: Com toda a crueldade que isto possa ter, é a tua tristeza.
Ela: A minha tristeza?! Qual tristeza?
Ele: A tristeza que tu escolhes. Tudo o que tu escolhes é triste.
Ela: Não é verdade!!!
Ele: É verdade, é. Tudo o que tu gostas, livros, filmes, músicas, é tudo triste.
Ela: Ui, passaste-te! Não é verdade!
Ele: É verdade verdadinha. Por isso é que escolhes quase sempre estar sozinha. Nunca tens paciência para a maioria das pessoas, para as conversas delas se não forem sobre aquilo que tu gostas. Se não as conheceres então é para esquecer. Não dás oportunidade a ninguém, é preciso andar sempre atrás de ti...
Ela: Ensandeceste!
Ele: Apostava o meu pescoço em como não tens um único amigo ou amiga que tenhas sido tu a escolher. São as pessoas que te escolhem a ti e depois tu decides se as queres ou não.
Ela: Não é verdade. Mas achas que foi isso que eu fiz contigo?
Ele: Não brinques comigo! Não acho, tenho a certeza.
Ela: Isso soa a queixa...
Ele: Mas não é. Eu só gostava de te ver rir mais vezes, rir sem motivo, dizer asneiras, palermices, qualquer coisa!
Ela: Mas eu rio-me. E rio-me muitas vezes contigo!
Ele: Porque somos amigos. Tu só ris quando tens as costas quentes!
Ela: E depois?!
Ele: E depois nada. Só que às vezes parece que só és feliz contigo. Ou melhor, que és mais feliz contigo, sozinha, metida nas tuas merdas, do que connosco!
Ela: Sim, há muitas coisas que eu gosto de fazer sozinha. Mas isso não exclui ninguém. Já estás bêbedo, não já?
Ele: Já. Há muito tempo. Mas isto não é conversa de bêbedo!
Ela: Eu sei. Vamos embora? Ou há mais alguma coisa de que me queiras acusar?
Ele: Mais uma...
Ela: Então?
Ele: Acusar-te de me teres transformado num maricas lamechas!...
Ela: Risos
Ele: ... um maricas lamechas que gosta muito de ti.
Ela: Também eu gosto muito de ti.
Ele: E vais continuar a gostar depois de hoje?
Ela: Sempre!
Ele: Pois é, tu dizes mais vezes sempre do que nunca...
Ela: Com o mesmo radicalismo?
Ele: Com o mesmo.

domingo, janeiro 10, 2010

Diálogos pueris XXX

Ele: Ficas assim só porque de repente reaparece uma pessoa que fez parte da tua vida no passado?
Ela: Assim como? Feliz?
Ele: Feliz não, histérica!
Ela: Não estou histérica, estou feliz.
Ele: Seja, feliz. Nunca enterras as tuas histórias, pois não?
Ela: Nunca.
Ele: Mas parece que nunca deixas de gostar...
Ela: Claro, e nunca deixo.
Ele: Não entendo.
Ela: O que é que não entendes?
Ele: Não entendo quando percebo que, eventualmente, me compararás facilmente com outros a qualquer momento, bastando para isso que o rapazito de Nova Iorque passe do outro lado da rua.
Ela: Mas isso é ridículo, eu não fiz comparação nenhuma. Gostar muito de alguém não significa passar a gostar menos dos outros.
Ele: Se uma mulher me fizesse isso, se eu sentisse que uma mulher, a minha mulher, sentisse vontade, uma imensurável vontade, uma amantizada vontade de atravessar a rua para ir ter com outro, podes ter a certeza que desapareceria de ambos os passeios.
Ela: [gargalhada] Estás a distorcer. Quem é que falou numa amantizada vontade?! Eu gosto de todas as pessoas que tive. Vou gostar sempre. Devia odiá-las?! Porquê, se não me fizeram mal nenhum?!
Ele: Romântica essa tua ideia, sem dúvida! É um bocadinho como o comunismo, coisa bonita, somos todos iguais e trá lá lá, cantando e rindo, mas depois vai-se a ver, e uns trabalham mais que os outros e talvez por isso uns devessem ganhar mais do que os outros, não?
Ela: Tu queres que eu desvirtue as pessoas, que as substime, que apague uma parte da minha vida só para provar que agora é que é a sério e importante. E isso eu não faço. Nunca fiz; nunca farei.
Ele: A tua ideia é comunista, o teu amor é vermelho, é marxista-leninista, é de foice, todos os teus amores - dizes - devem ser por igual. Não dás mais atenção, mais salário a nenhum deles. É tudo por igual! Mas há uns que trabalham mais, que fazem mais por ti, que te dão mais. E tu não queres saber, estás a dizer que são todos iguais!
Ela: Não estou a dizer que são todos iguais! Estou a dizer que são todos importantes!
Ele: E eu estou a dizer que isso, sendo romântico, é impossível!!!
Ela: O quê? Guardar as pessoas? Gostar de estar com elas?

Ele: Sim, dessa forma, não! Devias arrumá-las bem num canto do sótão, ok, não as tirando de lá se não quiseres, mas percebendo que aquilo é um quadro bonito que te faz se calhar sorrir quando olhas para lá, mas que está agora inerte, fixo, imutável.
Ela: Belo, vamos apagando o caminho, não é? Matando pessoas? Olhas para trás e vês um cemitério de afectos. É isso?
Ele: És palerma, mimalha, bipolar!

domingo, julho 05, 2009

Diálogos pueris XXIX

Ela: Nunca te divorciaste mesmo, pois não?
Ele: Estamos separados há mais de dez anos, mas apresentamos o IRS em conjunto, se é isso que queres saber.
Ela: Não era isso que queria saber...
Ele: Achámos que era o melhor para o puto. Não sei se é ou não, mas para já resulta e o meu filho é lindo e equilibrado. Nestas coisas da vida ninguém pode ter certezas.
Ela: Tu podias ser mesmo feliz, sabes?
Ele: Não sei, não...
Ela: E não és porque queres sempre tudo!
Ele: Sou imperfeito, lamento.
Ela: Toda a gente sabia que não eras divorciado. E tu dizias-lhe que eras.
Ele: Disse que era separado... ou divorciado, sei lá. Sou um parvo!
Ela: És parvo... sobretudo contigo.
Ele: Ok. Sou um idiota incorrigível!
Ela: Queres que as pessoas gostem de ti, mas depois, se elas gostam...
Ele: Eu sei, já sei o que vais dizer, mas olha...
Ela: ...se percebes que elas gostam mesmo de ti, que fazem tudo por ti, que te querem entregar a vida, desatas a fugir para a próxima.
Ele: Eu sei. Mas tenho sofrido bastante e nunca me vou perdoar pela maneira como a tratei.
Ela: Estás a sofrer, tu?!
Ele: Estou, a sério que estou.
Ela: E ainda vais sofrer mais...
Ele: Pois vou. Está escrito nas estrelas. Sou um aleijado emocional, lamento.

domingo, abril 05, 2009

Diálogos pueris XXVIII

Ele: Estou solteiro outra vez.
Ela: Desculpa?!
Ele: Eu explico-te, se quiseres.
Ela: Quero.
Ele: Acabámos. Foi tudo muito civilizado. Mas nem por isso mais agradável.
Ela: Podes ir directo ao assunto, please?
Ele: Eu fui horrível nos últimos tempos. Ela pediu-me em casamento e eu disse que não.
Ela: Ela pediu o quê?!
Ele: Eu sei que é ridículo, mas não te rias.
Ela: Não estou a rir.
Ele: Foi um momento terno, fazia todo o sentido.
Ela: Eu achei que tu querias mesmo ficar com ela...
Ele: E queria. Mas sempre achei que ela precisava de outra pessoa, mais nova... Repara, eu gosto mesmo dela... talvez por isso...
Ela: Que grande treta isso!
Ele: Bom, se vais falar em treta...
Ela: Desculpa, mas claro que vou! Isso da idade não faz sentido nenhum!
Ele: Sinceramente, é o que eu acho.
Ela: Mas porquê? Há tabelas agora?
Ele: Pois, já descobri que estou errado. Mas era o que eu pensava. Juro!
Ela: Podes namorar, podes ir para cama, podes viajar, podes tudo com uma pessoa mais nova, mas ficar para sempre com ela é que não! Isto faz algum sentido?????
Ele: Há muitos anos que ninguém me tocava como ela. Basicamente, fui um idiota, eu sei. Mas agora, olha, já temos outras pessoas em vista.
Ela: Hã?! Tu acabaste de me dizer que estavas solteiro outra vez. Como é possível já teres outra pessoa em vista e ela supostamente também?
Ele: Eu sempre tive outra pessoa, porra!
Ela: Hã?!
Ele: Eu não presto. Mas não quero que ela saiba isso.
Ela: Como sempre tiveste outra pessoa?????
Ele: Sempre mantive um relacionamento com aquela minha colega, já te falei dela várias vezes.
Ela: Diz-me que estás a brincar...
Ele: Porra, não devia ter contado. E não quero que tu lhe contes, ouviste?
Ela: Eu não vou contar nada! Eu mal a conheço!
Ele: Já basta eu ser uma besta!
Ela: Já basta eu saber. Fico triste. Achei que tinhas mudado.
Ele: Pois, não estás mais triste do que eu.
Ela: Pois, acredito.
Ele: Entretanto, meti na cabeça que era errado o que estava a fazer. E terminei tudo com uma num dia e tudo com outra no dia a seguir. Mas custa para caralho!

quinta-feira, março 05, 2009

Diálogos Pueris XXVII

Ele: Pronto, acabámos.
Ela: Estás a brincar?!
Ele: Sério!
Ela: Mas porquê?
Ele: Não podia dar-lhe o que ela queria. Uma vida tranquila, com filhos e essas coisas. Era errado continuar a alimentar-lhe ilusões, percebes?
Ela: Não...
Ele: Mas continuo a gostar muito dela...
Ela: Não percebo como é que as coisas contigo mudam sempre tão depressa...
Ele: Pois, percebi que o que sinto é uma coisa tipo protecção, mas não amor.
Ela: Hmmm, fico triste. Pela primeira vez gostei de uma namorada tua.
Ele: Então, e a anterior? Na altura, também disseste que tinhas gostado dela...
Ela: E gostei. Era simpática e tal, mas sem um décimo da pinta desta!
Ele: Engraçado. Esta teve ciúmes teus quando te conheceu.
Ela: Ui...
Ele: Percebeu que havia alguma tensão, não sei...
Ela: É burra! Achei que finalmente tinhas encontrado alguém melhor do que eu... (Risos) Estou a brincar!
Ele: Eu sei, querida.
Ela: Reata lá isso, não sejas parvo!
Ele: Não dá.
Ela: Mas porquê? Ela encostou-te à parede, foi? Essa coisa dos filhos...
Ele: Sim.
Ela: Mentiroso! Estás a inventar pretextos. Ela é muito nova. Não ia stressar com isso.
Ele: Não a conheces.
Ela: Pois não, mas conheço as mulheres.
Ele: Adoro-a. Mas não dá!
Ela: Para ti nunca dá quando percebes que alguém gosta de ti a sério.
Ele: Não te preocupes, ela já tem alguém em vista. E eu também.
Ela: Não me lixes! Parece que vão só mudar de casa!
Ele: Mas é verdade.
Ela: Se é verdade, então isso entre vocês era uma grande tanga!
Ele: Tu estás a dizer isso porque precisas deseperadamente de acreditar no amor.
Ela: Não preciso acreditar, acredito mesmo. Vá lá, tu andavas tão feliz, reata lá isso com a tua namorada…
Ele: Ex-namorada.
Ela: Não me conformo.
Ele: Pois conforma-te! Eu já me conformei.
Ela: Num dia apareces-me aqui a morrer de amor. No outro dia, afinal , já nunca foi amor, era só protecção. Não entendo. Juro.
Ele: É a vida. E não é verdade isso. Gostei e gosto muito dela.
Ela: Hmmm... então, foi ela que acabou?
Ele: Não! Nem ela nem eu.
Ela: Então?
Ele: Decidimos tudo com muita calma e tivemos até uma última noite. De manhã, a separação.

sexta-feira, outubro 10, 2008

Diálogos Pueris XXVI

Ela: Posso entrar?
Ele: Pergunta malvada essa, que me coloca na posição de carrasco...
Ela: Não é malvada.
Ele: Da última vez que falámos disseste que fui agressivo contigo. Percebi porquê. Mas não sei se ainda podes entrar. Tem acontecido tanta coisa...
Ela: Coisas boas?
Ele: Não, não foram nada boas. Foi uma época muito complicada, mas acho que até a Lei de Murphy tem um fim de jurisdição. Agora quero valorizar e discriminar os amigos. Os amigos daquela verdade sempre presente e que preenchem tudo.
Ela: Aceito isso (bem, mais ou menos...), ser penalizada pela ausência...
Ele: Espero que não aceites. Porque não tem nada a ver contigo; talvez só comigo. Daí que, provavelmente, tenha sido agressivo e injusto contigo.
Ela: Consegues distinguir a ausência física da ausência de gostar? E perdoar a diferença entre uma coisa e a outra?
Ele: Não há nada para perdoar. Pensei muito na nossa relação, fui até ao passado para ver de onde vinha. A verdade é que ela é muito diferente da relação que tens com a minha namorada.
Ela: Claro, eu sei.
Ele: Ela ensinou-me que tu eras uma fada, um elemento mágico...
Ela: E tu percebeste que não sou...
Ele: Não, não é isso. Acho que o desagravo começou pelo lado dela, por todas as expectativas que sempre criou contigo. És como um pai natal, de quem sempre se fala, e por quem eternamente se espera...
Ela: Uma fada que não faz magia; um pai natal que nunca chega...
Ele: Se às vezes nos sentimos tristes foi por estarmos apaixonados por ti. E sim, por seres um elemento mágico, uma fada. Encantadora e sedutora.
Ela: E em que momento descobriram que não eram correspondidos?
Ele: Não se trata disso. Trata-se de jardinagem. Toda a gente gosta de flores, mas poucos cuidam efectivamente delas.
Ela: Sim, eu sei...
Ele: Depois, não pode haver surpresas por murcharem.
Ela: Gostava que me deixasses contar a minha versão...
Ele: Mas é óbvio que quero ouvir a tua versão. Ouvir-te só. Isso significa estares presente.
Ela: Acreditas que é possível deixar murchar uma flor que se ama? Só porque, às vezes, a vida nos atropela? Deixá-la murchar só por absoluta incompetência?
Ele: Sei, mas nada pode ser mais paradoxalmente absurdo, não achas? Porque se não nutrirmos o amor vamos cultivar o quê? O mundo não está a ficar um sítio mais agradável. Só as pessoas podem fazer e criar uma realidade mais suportável. Porquê abdicar?
Ela: Mas achas que deves matar o jardineiro só porque ele falhou? Não é humano falhar?
Ele: Não sou radical. Nunca mataria. É humano falhar, mas mais humano é recuperar das falhas. E concretizando, deixa-te de merdas, não falhaste. A única coisa que magoou e confundiu foi a dissonância entre esse sentimento que trazes em ti e a realidade.
Ela: Porra, deixa-me entrar! Mas não estejas à porta com uma espada! Dessa forma, não vou conseguir entrar.
Ele: Pois, mas ainda não percebeste que ninguém está à porta? Que nada está armadilhado? Que não sou capaz de te convidar para entrar e depois pregar-te uma rasteira? E que sou tão sincero hoje como quando te convidava para fazermos um intervalo e irmos descansar num prado? Não sei se estamos a entender-nos...
Ela: Acho que sim, que estamos. A única diferença é que ainda não contei a minha versão. E sinto que, diga o que disser, vais sempre achar absurdo, contraditório, inaceitável... talvez seja, não sei. Eu sei que os amigos não se deixam propriamente numa lista de espera.
Ele: Mostra-me o teu lado...

[Ela mostra-lhe o lado dela]

Ele: Pois, mas quase sempre me dá a sensação que não percebes bem a nossa posição, a nossa expectativa e postura. Fiquei sempre surpreendido e quase ofendido com algumas coisas que dizias...
Ela: Por exemplo?
Ele: Percebo que as digas mas, na nossa realidade, não fazem sentido nenhum. Uma das coisas que mais nos deixava tristes era suspeitar que podias não estar bem. Não sei qual é a tua perspectiva sobre o que deve um amigo fazer quando vê o outro mal, mas sempre me deu a sensação de que nos entendias mal, como se fossemos um elemento de pressão sobre ti...
Ela: É verdade. Às vezes senti isso, essa pressão.
Ele: Sempre quisemos estar perto para te apoiar incondicionalmente. É quase ofensivo quando dizes que posso estar à porta com uma espada.
Ela: Sei que vocês quiseram sempre só que eu ficasse bem. Mas sou assim, desapareço quando estou mal.
Ele: Às vezes, penso que a distância já é muita, e que todos confabulámos personagens que foram aos poucos, e conforme as circunstâncias da vida, e os imprevistos da interpretação, dando origem a caricaturas das pessoas reais.
Ela: Achas que nos transformámos em caricaturas? Que temos imagens uns dos outros que não correspondem àquilo que realmente somos?
Ele: Talvez. Por isso sempre rejeitei que te considerasses culpada. Quase como se nós te considerássemos culpada...
Ela: Mas é isso que parece. E isso também que me trava.
Ele: Acho que não sou quem me transmites que pensas que sou. Jamais fiz alguém sentir o que me dizes que te faço sentir, o que não invalida! E, vasculhando a minha memória, tenho dificuldade em saber o que possa ter feito para que pensasses dessa forma. E isso incomoda-me, como sei que te incomodam algumas coisas que te disse. Daí achar estas percepções tão distintas, intrigantes...
Ela: Mas não há nada de intrigante. O que me fazes sentir, existe. A maneira como te via é a maneira como te vejo.
Ele: Continua a ser intrigante.
Ela: Mas o que há de intrigante?
Ele: Não sei.
Ela: Deixaste de acreditar em mim?
Ele: Não é isso, e não te sei dizer o que é. Quase me apetece voltar ao início e perguntar-te novamente: have we lost the human touch?
Ela: Continuo a devolver a pergunta. Ou deveremos perguntar à Nina Simone?
Ele: Acho que te percebo, apesar de tudo.
Ela:Finalmente, fazes-me sorrir.
Ele: Dou-me melhor com sorrisos.
Ela: Gosto muito de ti. Não é o mais importante?
Ele: É importante, sim. E quero que decores ou coloques num post-it que não sou um monstrinho a reclamar a tua atenção. Vivo a amizade de outra forma: quando tenho uma amiga quero dar-lhe tudo o que sou. Estou lá. Nunca me tinha acontecido ouvir de uma amiga o que ouvi de ti. Houve vezes em que achei que eras uma exagerada, que não podias gostar assim tanto de mim...
Ela: Mas gosto. E gosto de forma exagerada - é a única que existe para gostar dos amigos.
Ele: É obvio que é importante o amor, o carinho, o gostarmos uns dos outros. Mas também não será igualmente importante que as relações existam? Que funcionem?
Ela: Claro. E eu quero que a nossa relação volte a existir fora do coração. Estou só a dizer-te que a distância não mudou o que sinto. E mais: não há nada mais bonito do que alguém a reclamar a nossa presença. O teu protesto comove-me até às lágrimas.
Ele: Era bom que agora estivéssemos a ouvir a mesma música. Conheces bem: "Fistfull of love", do Antony.
Ela: "We live together in a photograph of time/I look into your eyes/And the seas open up to me/I tell you I love you/And I always will." Estou sempre a ouvir o Antony.
Ele: É inevitável continuar a gostar de ti. Apaixonado e irritado por todo o tempo que não estamos juntos.
Ela: Tens noção de há quanto tempo espero ouvir isso de ti?
Ele: Repara que nenhum idoso gosta de recordar os tempos em que namorar era apenas uma longa conversa, uma cantiga do bandido, à janela. Só quero um abraço, um beijo, um roçar de olhares e um sorriso teu.
Ela: Tens isso tudo de mim. E tens mais.
Ele: Não quero pressionar-te.
Ela: Não estás a pressionar-me.
Ele: A única pressão que faria era no teu peito durante um abraço. E assusta-me que tenhas percebido como forma de pressão a minha postura.
Ela: Vou provar-te que ainda fazemos sentido.
Ele: Mas não tens nada para provar. Nada. Nada. Nada se prova. Eu também não tenho como te provar que não sou quem tu pensas que sou.
Ela: Mas tu és. Eu sei.
Ele: Só quero estar contigo. É só isso. Senão tudo isto será uma história de amor separada, distante, cartas de namorados que se enviam e que, algures no mundo, sabemos que é correspondida. Mas também o Jude Law fartou-se de andar no Cold Mountain só para mostrar que vale a pena estar próximo.
Ela: Obrigada. Mesmo. Por teres esperado e por tudo.
Ele: Não quero que venhas agora a correr para cá. E não penses que vou agora a correr para aí. Mas gostava que nos encontrassemos com suavidade para disfrutarmos disto. Gosto de ti, porra.
Ela: "Gosto de ti, porra!" sabe melhor do que um gelado de chocolate!
Ele: Eu já podia ter morrido e tu podias não me ter visto a ficar careca...
Ela: Não estás a ficar careca e não havemos de morrer tão cedo.
Ele: Gostar é a melhor coisa que conheço, que alguma vez vou conhecer. Gosto de gostar. Gosto muito de gostar de ti. E isso já me irritou no passado, mas conformo-me no teu charme.
Ela: Também eu. Não somos assim tão diferentes.
Ele: Caramba, queria tanto poder fazer contigo coisas como as que fiz esta noite. Espero que uma conjugação cósmica proporcione um encontro.
Ela: Se pudesses ver como estou a rir...
Ele: Ficas muito mais bonita assim, lembro-me disso...
Ela: Estás no meu coração. Vais estar sempre. E o coração, quando está cheio, faz-nos rir.
Ele: E tu vens comigo agora. A porta está aberta para entrares.
Ela: Já entrei.
Ele: É óptimo ter-te ressintonizada.

sexta-feira, agosto 01, 2008

Diálogos pueris XXV

Ela: Estás feliz?
Ele: Estou bem.
Ela: Ainda em lua-de-mel?
Ele: Nunca usei essa expressão!! Existem desavenças, claro! Mas não tenho tempo para pensar nisso. Olho para os meus dois filhos pequeninos e não consigo parar de sorrir.
Ela: Transformaste-te mesmo num pai de família!
Ele: Sou muito conservador. Sempre fui, aliás. Muito protector do meu ninho. Tu sabes que sempre quis isto: uma família, muitos filhos...
Ela: Estás 'grávido' outra vez?
Ele: Agora não. Estamos a fazer um intervalo para tentarmos ter uma menina. Morreria na mais profunda das tristezas se não conseguisse ter uma filha.
Ela: Casas entretanto?
Ele: Não estou a pensar nisso. Um dia mais tarde, talvez... para reunir amigos.... for fun!
Ela: Posso fazer-te uma pergunta?
Ele: Claro!
Ela: Achas que ambos vivemos com "o" amor da nossa vida? Tu vives?
Ele: Ainda não.
Ela: Desculpa.
Ele: Não faz mal. És linda. E sim, o grande amor da minha vida.
Ela: É por causa disso o silêncio?
Ele: Também. Para não lembrar. Para não doer.

Diálogos Pueris XXIV

Ela: Também sentes que uma parte de ti morreu?
Ele: Tenho pensado nisso, sabes? Naquilo que sinto. E não, não sinto isso. Nem de longe nem de perto.
Ela: Deve ser isto então o tal fim triste de que me falaste: eu sinto que uma parte de mim morreu.
Ele: Sinto é que o caminho é cada vez mais agudo - não sinto que esteja morto contigo. E sim, concordo que desta vez levei as coisas longe demais...
Ela: Demasiado longe. Tão longe que não sei se haverá caminho de regresso...
Ele: Foi só uma tentativa de mudar as coisas. Mais uma, mais uma vez falhada. Mas uma tentativa.
Ela: A verdade é que nunca saímos abismo, pois não?
Ele: Acho que não. Se olhares para trás, perceberás que estivemos sempre lá. Mas se calhar, é aí que temos de estar. Talvez o amor total só exista a par dessa espécie de morte viva que reaparece sempre quando o amor duvida. Talvez seja essa a função do amor: ter um combate permanente contra a morte.
Ela: Fizemos tentativas os dois; falhámos os dois. Não quero continuar a viver no abismo nem acho que o amor seja isso, essa luta diária, permanente contra a morte. E que precise de ser questionado para sobreviver. Desculpa.

segunda-feira, junho 30, 2008

Diálogos pueris XXIII

Ele: Estou farto! Farto de nunca estar satisfeito com nada!
Ela: É verdade, nunca estás.
Ele: E depois magoo as pessoas à minha volta.
Ela: É verdade. Assim, vais acabar sozinho.
Ele: Não vou nada!
Ela: Daqui a uns anos falamos.
Ele: Se ficar é porque mereci.
Ela: E se não ficares era o que merecias.
Ele: Não julgues que me vou defender. Estou a tentar mudar, a tentar fazer as coisas certas. E se te consola um bocadinho, estou a sofrer.
Ela: Não sou eu tenho que tenho de ser consolada.
Ele: Ainda vou a tempo de fazer as coisas bem. Foi o que tentei fazer desta última vez.
Ela: O que é que fizeste de diferente?
Ele: Libertei-a.
Ela: Tu não a libertaste! Tu deixaste-a. Fizeste o que fazes sempre.
Ele: Mentira! Libertei-a porque gosto mesmo dela! Não achas isso importante?
Ela: Achava importante olhar para ti e perceber que aprendeste a amar alguém.
Ele: Se Deus quiser, ela há-de ter uma vida extraordinária.
Ela: Porra! Pára de falar como se fosses pai dela! Se Deus quiser o quê? Ela não é tua filha!
Ele: Sim, mas não sejas tão apressada a fazer tantas críticas!
Ela: Se tens uma mulher de 40 queres uma de 20, se tens uma de 20 queres uma de 50, se tens uma médica queres uma de fora da profissão, se trabalha fora queres uma da área, se é portuguesa queres uma russa, se é russa queres uma de Marte!
Ele: Não sabes a nossa história toda. E nem eu te vou contar!
Ela: SEMPRE FOSTE ASSIM!
Ele: Ok. Mereço isso.
Ela: E não interessa a última história. Eu não te conheci ontem. Nem é a primeira vez que te ouço dizer que estás a morrer de amor... e depois, que acabaste, mas que esperas que ela seja muito feliz porque é uma mulher extraordinária!
Ele: Pois é. Às vezes, preciso ouvir essas coisas. Mas estas coisas do coração são complicadas. Não penses que não me conheço!
Ela: Eu sei. O que só piora. Quer dizer que não tens vontade de ser melhor.
Ele: Obrigada.
Ela: Desculpa.
Ele: Compreendo a tua ira.
Ela: Desculpa. Não tenho nada a ver com isso.
Ele: Tens. E sabes que tens.
Ela: Não tenho. E sei que não tenho. Mas gostava tanto de te ver feliz...
Ele: Eu sei. Por isso é que tens o direito de me dizer coisas duras.
Ela: Se pudesses fazer as coisas certas, seria perfeito.
Ele: Eu sei. E gostava de fazer as coisas certas ao menos uma vez na vida. Tentei agora e acho que falhei escandalosamente.
Ela: Não digas "gostava tanto de..." como se isso não dependesse de ti.
Ele: Eu sei.
Ela: E pára de dizer "eu sei". Sabes quantas histórias dessas tuas eu já ouvi?
Ele: Não sei.
Ela: Parece que tens 15 anos, que não podes ver nada, que ainda estás na fase de provar lá no recreio da escola que consegues ter as meninas todas! É ridículo! Vais começar a parecer ridículo!Ele: Eu sei. Porque é que achas que estou a tentar parar?
Ela: Por causa do ego.
Ele: Por causa do ego?!
Ela: Sim. Mentiste-lhe sempre sobre a tua idade, por exemplo. Sabes que a tua namorada ou ex-namorada ou lá o que é, vai ser feliz. Hoje ou amanhã ou depois, não importa quando. E sabes que todas as pessoas com quem andaste acabam por encontrar a sua felicidade, cedo ou tarde. Só tu continuas a saltar, como se tivesses 15 anos. E depois, consolas-te - é outra das tuas fases cíclicas - nas tuas amigas divorciadas.
Ele: Mau, agora já estás a abusar! Nunca andei com nenhuma das minhas amigas divorciadas! Fiz infeliz uma mulher solteira, que ainda amo. Mais nada!
Ela: Desde que eu te conheço que tu me dizes que o amor não existe, que a fidelidade não existe!!!! Quem não acredita nisso nunca vai fazer ninguém feliz!
Ele: O amor existe, é bom e dá esperança. Mas não acredito na fidelidade, que queres que faça?
Ela: Nada. E tu queres o quê? Que te alivie a consciência?
Ele: Não. Aliás, é óbvio que estás a gostar de me condenar.
Ela: Queres que eu diga que és bonzinho, que não tens culpa, que magoas toda a gente que se cruza contigo, mas que é sempre sem querer?
Ele: Eu mereço isso. Mereço ser castigado. Mas estou a ser sincero quando te digo que não está a ser fácil.
Ela: Acredito em ti. Mas isso serve a quem?
Ele: Nã sei. Acho que tenho medo da intimidade. Do para sempre. Magoeei muita gente, é verdade. Mas também já fui magoado. Eu sei que a probabilidade de ficar sozinho é enorme.
Ela: Desculpa ter dito isso. Não vais nada ficar sozinho.
Ele: Não, não, tens razão. Mas não perdi a esperança. Não quero ser publicamente ridículo. E estou a sê-lo contigo.
Ela: O ridículo não está naquilo que me dizes a mim; está naquilo que às vezes fazes. Para mim nunca és ridículo.
Ele: Provavelmente, pode ser.
Ela: Mas estás a mentir. Não tens medo da intimidade, nem do para sempre. Tens só medo de uma coisa que nunca vais conseguir cumprir: que é teres todas as mulheres do planeta!
Ele: Estás a exagerar outra vez!
Ela: Não estou. Tu precisas de ser sempre o sedutor, o predador!
Ele: Ok, tens razão em quase tudo.
Ela: Porque é que ter razão não me deixa propriamente feliz?
Ele: Porque me adoras (risos)!
Ela: Porque gosto muito de ti, sim (risos)!

sábado, abril 28, 2007

Diálogos pueris XXII

Ele: Estou tão arrependido...
Ela: Agora?!
Ele: Percebi que não deixei de gostar dela; tinha só esquecido que gostava. Achas isto possível, não propriamente esquecer uma pessoa, mas o que se sente por ela?
Ela: Acho tudo possível...
Ele: Disse-lhe que quero voltar para casa.
Ela: E ela?
Ele: Diz que tem medo. Medo que eu volte a ir embora...
Ela: Que garantia lhe dás de que isso não volta a acontecer?
Ele: É a mãe do meu filho.
Ela: Já era quando saíste de casa...
Ele: Mas agora é diferente. Quando o bebé nasceu assustei-me. Não estava preparado.
Ela: E achas que ela também não estava?!
Ele: Pois, eu sei. Fui um cabrão!
Ela: Quanto tempo passaste sem ver o miúdo?
Ele: Quase um ano. Mas agora existe uma química incrível entre nós. Ele conhece-me. E é como eu.
Ela: Um ano é muito tempo...
Ele: Não é assim tanto se pensarmos nos anos todos que ainda restam....
Ela: Sim, é uma perspectiva. Mas então, e agora?
Ele: Agora, ela tem que ser uma mulher a sério.
Ela: Ela ainda não decidiu se quer que voltes para casa e já estás a impor condições? O que é isso de ser uma mulher a sério?
Ele: É parar de seduzir os meus amigos e os dela; é deixar de entregar o filho à avó para poder sair à noite; é deixar de se vestir como se tivesse 15 anos; é cultivar-se; é parar de se relacionar com pessoas que não lhe ensinam nada e que só a adulam porque não podem ser como ela...
Ela: Uau! Isso tudo? Gostas de exactamente o quê nela?
Ele: Boa pergunta. Não sei. Mas sei que gosto.

sábado, março 24, 2007

Diálogos pueris XXI


Ele: Preciso de um vibrador...
Ela: Precisas mais de um calmante...
Ele: Também. Preciso dos dois.
Ela: Porquê? O que te inquieta?
Ele: Pá, inquieta-me o facto de estar farto de ser fiel.
Ela: Desculpa?!
Ele: Ou melhor, inquieta-me o facto de querer sentir outras coisas...
Ela: Mas tu já disseste que é possível ser fiel e sentir outras coisas ao mesmo tempo...
Ele: Pá, já não sei o que digo...
Ela: Então???
Ele: Já não sei o que é ter outra mulher há séculos!!!
Ela: Não é suposto ser assim?!
Ele: Não, não é. Pelo menos comigo não deve ser, se chego a esta fase a precisar tanto de, desculpa a franqueza, foder...
Ela: E porque é que não fazes nada?
Ele: Fazer o quê?
Ela: Foder! Não é isso que queres?
Ele: Com quem???
Ela: Porra, sei lá! Isso tu é que tens que saber!!!! Não é suposto teres vontade de o fazer com uma pessoa concreta? Que exista? Que te tenha despertado a vontade de o fazer?
Ele: Ya, mais do que uma até...
Ela: Mas...
Ele: Mas, feliz ou infelizmente, isto não é propriamente um supermercado...
Ela: Confessa lá: a verdade é que, neste momento, não há ninguém que te dê a volta à cabeça.
Ele: Não, neste momento não há ninguém que me dê a volta à cabeça. Nem sequer a minha mulher.

sexta-feira, março 23, 2007

Diálogos pueris XX

Ele: Porque é que achas que deixei de estar com ela?
Ela: Nunca soube...
Ele: É simples: traiu-me.
Ela: ...
Ele: Não faças essa cara! Eu sei que não estás propriamente espantada.
Ela: Não faças perguntas às quais não posso responder.
Ele: Sempre soube das histórias todas... dentro de mim! Achas que andava a dormir?
Ela: Não sei.
Ele: Tantos anos depois e estas coisas só me dão vontade de rir...
Ela: Estás a mentir.
Ele: Não estou a mentir. Dão-me vontade de rir, embora sejam tristes, obviamente. Nunca mais fui o mesmo. Nunca mais fui o mesmo com ninguém.
Ela: Tu gostavas mesmo dela, não era?
Ele: Não! Não gostava mesmo dela. Aquilo não era gostar; era ser burro e ter paciência de jó!
Ela: Se não tivesses gostado mesmo dela não tinhas mudado assim tanto, não é?
Ele: Claro que gostava dela! Quando gosto, gosto a sério. Claro que não tinha mudado tanto!
Ela: Isso parece que ainda te dói...
Ele: Dói-me que ela tenha sido burra. Que nunca tenha percebido que a entrega incondicional e a dedicação fiel são das coisas mais bonitas que podem existir.
Ela: Quem está a pagar a factura dessa mudança?
Ele: Eu. Quem havia de ser?

Diálogos pueris XIX

Ela: Como está a tua vida?
Ele: Com a minha namorada?
Ela: Sim.
Ele: Há dias melhores do que outros. Há fases mais agradáveis. E outras em que ambos sentimos que o fim pode ser uma hipótese. Falamos muito, isso ajuda.
Ela: Mas essa hipótese é real?
Ele: Não sei. Ela ainda tem um caminho longo a percorrer dentro dela.
Ela: Já não a imagino sem ti.
Ele: O último Verão foi muito difícil. Estivemos por um fio. Depois as coisas melhoraram.
Ela: Ela deu um salto contigo.
Ele: Pois, mas eu não sou responsável por isso. Ela é.
Ela: Também és.
Ele: Sim, talvez em parte. Mas o que é nuclear para ela ainda tem que ser esculpido. Temos muitas diferenças que nos separam. Mas sim, ela tem um je ne sais quoi que a torna especial.
Ela: Ela é absolutamente especial.
Ele: Não somos todos?!... As relações são sempre uma fonte de dúvidas e incertezas. Às vezes acho que os estilos de vida modernos não favorecem relações mais longas do que o "one night stand".
Ela: Tenho dúvidas sobre isso.
Ele: Também não tenho certezas. E nós insistimos em tentar mostrar que é possível. Mas perguntaste isso por algum presentimento particular?
Ela: Senti-vos de forma diferente.
Ele: Diferente como?
Ela: Não sei bem... como se tivesse deixado de haver um para passar a haver ser dois...
Ele: Tenho incentivado um pouco isso.
Ela: Sim, também senti que isso vinha sobretudo de ti.
Ele: Não é um incentivo no sentido de nos distanciarmos, sabes? É mais no sentido de eu ter a certeza que ela tem vida, pensamentos e amizades para além de mim e da nossa relação.
Ela: Está a funcionar?
Ele: Como uma espécie de ventilação, acho que sim.
Ela: Conversaram sobre isso?
Ele: Claro. E acho que ela acabou por entender facilmente. Isto aconteceu apenas para ela não se fechar numa única forma de ver e para se sentir livre de explorar o mundo e a própria vida dela.
Ela: Isso não é um bocadinho pedagógico-paternalista demais?
Ele: Não. Acho que assim me amará melhor.

quinta-feira, março 22, 2007

Diálogos pueris XVIII

Ele: Gostava de ter estado mais tempo contigo. Sozinho contigo, digo.
Ela: Pois...
Ele: Aliás, tenho pensado numa carta para ti, mas não sei se alguma vez a vou escrever.
Ela: Então?
Ele: São apenas ideias sobre o que vou pensando de ti.
Ela: Que tens pensado?
Ele: No que conheço de ti... Gostei de estar contigo, apesar de tudo.
Ela: Mas não falaste muito...
Ele: Não. Mas achei graça... vives num mundo tão distante...
Ela: Do teu?
Ele: Sim. As histórias, os assuntos, os personagens, que não são os meus...
Ela: Nada será assim tão diferente...
Ele: A sério que é... Estava a provar o teu mundo e a achar um piadão. Aliás, foi essa perspectiva que me deixou a pensar. A ideia que construí de ti é mesmo contrastante...
Ela: Contrastante?!
Ele: Sim. É difícil explicar e até pode ser que seja fruto da minha imaginação "améliana", mas fiquei com a sensação de que és um personagem demasiado sensível...
Ela: No meio dos outros?
Ele: Sim. Do tipo: como se sente uma rosa entre os espinhos que a embrulham?
Ela: Essa foi a ideia que ganhaste ou a que perdeste?
Ele: Não, não... foi com essa ideia com que saí de lá... Não faz sentido nenhum, pois não?
Ela: Não sei bem...
Ele: Reparei em pequenas coisas que podem não fazer sentido, mas...
Ela: Por exemplo?
Ele: Lembrei-me daquela vez em que tomámos café no meio de um trabalho teu. Já foi há algum tempo e também não é importante. Mas nesse dia reparei que enquanto falavas o teu maxilar ganhava tensão. E acho que foi a primeira vez que reparei nisso.
Ela: Sim, lembro-me dessa tarde...
Ele: Na semana passada pareceu-me que essa tensão estava lá outra vez.
Ela: É possível.
Ele: Curiosamente, senti o maxilar livre quando falavas do que tinhas sentido...
Ela: É verdade, essa tensão existe volta e meia. E deve realmente notar-se, porque não és a primeira pessoa a dizer isso...
Ele: A minha imaginação disse-me automaticamente que és mais livre quando falas dos sentimentos... Mas os espinhos logo mostraram que existem e tu recolheste-te... Foi aí que surgiu a tensão. Mas achei-te muito bonita.
Ela: Para ti, as outras pessoas são espinhos?
Ele: Não sou eu que as vejo assim. Para ti, algumas pessoas é que parecem funcionar como espinhos. Não digo que o sejam sempre. Aliás, talvez não sejam elas os espinhos. Apenas, talvez, sejas tu a flor: delicada, perfumada, atraente. E bonita, como estava a dizer.
Ela: Isso é muita imaginação. Mas sim, às vezes sinto-me dessintonizada. Como se me tivesse enganado no apeadeiro. Tinha idealizado um feito de coisas mais simples. Achava eu, pelo menos. Ele: Percebo bem o que estás a dizer. Mas nem sempre o hábito faz o monge. E não te sinto escrava do que não queres. Precisamente, por seres mais do que isso.
Ela: Queres que me sente no divã?
Ele: Quero saber o que te apetece...

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Diálogos Pueris XVII

Ele: A minha veia poética voltou. Tinha que te avisar. Adeus, Wookie.
Ela: Estás apaixonado?
Ele: Sim.
Ela: Fico contente!
Ele: Hoje voltei a sentir... Estou feliz, finalmente!
Ela: Quer dizer que já podemos ser amigos?
Ele: Não. Ainda não.